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Pauperismo

21/09/2017 - 11h22

Raquel Anderson

Desigualdade social (Foto: )

Numa tarde de sábado ou de um dia qualquer, de uma cidade desigual: redundante afirmação, emparedados meninos encalorados, sem camisas, experimentam, sabe-se lá quantas vezes, o gosto da humilhação: armas em punho, metralhadoras imponentes, fardas intransigentes, treinamentos presentes, olhares inconsequentes e a “ordem” necessária para a civilidade, para o “bom andamento” da cidade.


É humilhante ser suspeito, andar de peito aberto pela cidade, é humilhante pertencer ao bando, pobre não pode ter amigos, não pode andar em turma, a pobreza compromete o olhar de que a vê e não a enxerga, a pobreza fere e incomoda a paisagem, a pobreza não tem referências, histórias, desejos, sua fome é saciada pela humilhação, sua condição, marginalizada, convive, eternamente, com a desigualdade e o reforço constante de ser suspeito, a pobreza é o defeito.


Todas as portas, muros, cercas elétricas, portarias e vidros lhes são fechadas e ou batidas na cara, diariamente, a pobreza são números apenas e, de preferência, com cadastrado em cartório eleitoral, a pobreza amedronta, não é digna de atenção, não conhece bajulação, a pobreza é desimportante, é fétida, indigna de um abraço, de um beijo, de um afago.


A pobreza é assassinada, é indigente, não frequenta as mordomias do mundo, ao contrário, camela pedinte, humilha-se, rasteja e permanece sentada ou deitada nas calçadas, abaixo de quem passa, adota a humilhação como sina, envergonha-se da sua condição, humilha-se à exaustão com a sua persistência.

A pobreza dói, com fome, a pobreza sente calor e sente frio, a pobreza tem brio, a pobreza, mesmo emudecida, não se cala e esfrega na cara do mundo todo a sua dor, a pobreza grita com a sua humilhação, a pobreza é o incômodo corrosivo, está na rua, no sinal, defeca em lugares proibidos, a pobreza não tem noção, é avacalhada, vale menos que um perfume de madame, a pobreza é o vexame social, é a culpada pelo desigual, a pobreza é o estorvo, é a negação, a apelação, a pobreza ajeita-se com um papelão, a pobreza é um problema, é um dilema, mesmo ignorada teima em permanecer.


A pobreza sabe o que é vencer um dia, não conhece a cor da covardia, a pobreza desconhece cama, lençol, mesa posta, refeição em família, chuveiro bom, roupa cheirosa, a pobreza não vai ao cinema, não sai de férias e assiste, sem pagar, o mundo se transformar, a crueldade se perpetuar.


A pobreza existe, persiste e se mostra, desfila para atrapalhar e dá a sua resposta domando a vida, carregando o seu cobertor, causando só dissabor, a pobreza é inconveniente, está aqui e no futuro a perturbar os filhos de quem a despreza, a pobreza é a carga que pesa no mundo que se desconstrói

A pobreza desafia, até arrepia, porque ela é maior que o desdém, é forte ser um ninguém, mais corajoso do que ser alguém que precisa de coisas, que carrega pertences, que amontoa bens, a pobreza é, incrivelmente, menos refém dos amontoados, dos apegados, a pobreza é a coragem, é o enfrentamento da humilhação, é a necessidade de um pedaço de pão, é o sonho negado, é o viver escancarado, é a liberdade prisioneira, é a contramão do comodismo, é a janela do carro embaçada, a abordagem na calçada


A pobreza é a vida relatada em segundos, é o desafio do mundo, é o querer ser, é o entristecer, a pobreza é a desesperança, é a fome de gente grande e de muita criança, é o resultado do sistema, é o que dá pena sem atitude, é o meu, o seu, o nosso problema.

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