O juiz Sergio Moro impôs uma trava à atuação de órgãos de controle e do governo federal, proibindo o uso de provas obtidas pela Operação Lava Jato contra delatores e empresas que reconheceram crimes e passaram a colaborar com os procuradores à frente das investigações.
A decisão de Moro, que conduz os processos do caso em Curitiba, foi
proferida no dia 2 de abril e atinge a AGU (Advocacia-Geral da União), a CGU
(Controladoria-Geral da União), o Cade (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica), o Banco Central, a Receita Federal e o TCU (Tribunal de Contas
da União).
No despacho, que é sigiloso, o juiz altera nove decisões anteriores em que
autorizara o compartilhamento de provas da Lava Jato com esses órgãos, que
têm a atribuição de buscar reparação de danos causados aos cofres públicos
e aplicar multas e outras penalidades de caráter administrativo.
Moro não só veda o uso das informações da Lava Jato em ações contra
colaboradores como submete à sua autorização o prosseguimento de
medidas que já tenham sido tomadas contra eles e que tenham entre os seus
fundamentos documentos enviados pelos procuradores.
Com a decisão, que atendeu a um pedido do Ministério Público Federal, o
juiz blinda delatores e empresas contra o cerco dos outros órgãos de
controle. Para os procuradores, a medida é necessária para evitar que a
insegurança jurídica criada pela falta de coordenação entre os vários órgãos
de controle desestimule novos colaboradores, prejudicando o combate à
corrupção.
Em vários dos casos revistos pela decisão de Moro, as informações
compartilhadas pela Lava Jato foram obtidas antes que as empresas afetadas
e seus executivos colaborassem com as investigações.
Empreiteiras como Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht fecharam acordos bilionários com a Lava Jato reconhecer crimes, fornecer provas, pagar multas e reduzir penas na esfera criminal, mas os acordos não garantem imunidade contra ações de outros órgãos na área cível.
A AGU, que defende o governo federal nos tribunais, cobra das empreiteiras
mais de R$ 40 bilhões por danos em contratos com a Petrobras.
Colaboradores que confessaram o recebimento de propina foram autuados
pela Receita Federal, que tem cobrado imposto sobre os ganhos ilícitos.
Com base em provas obtidas pela Lava Jato, o TCU bloqueou R$ 508 milhões em bens da Andrade Gutierrez para garantir o ressarcimento de danos causados na contração da usina nuclear de Angra 3.
Como os acordos fechados com o Ministério Público só garantem imunidade
na área criminal, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht negociam
desde o ano passado acordos de leniência com a AGU e a CGU, que ainda não
foram assinados e terão que ser submetidos ao aval do TCU.
A principal dificuldade nessas negociações é que as empreiteiras não querem
pagar mais do que já se comprometeram a desembolsar nos acertos com o Ministério Público —as três maiores aceitaram pagar R$ 5,5 bilhões a título
de multa e reparação de danos.
Advogados das empresas e dos delatores defenderam publicamente a tese
agora aceita por Moro, de que os colaboradores devem ser blindados contra
ações na esfera cível.
"Apesar do compartilhamento de provas para a utilização na esfera cível e
administrativa ser imperativo, já que atende ao interesse público, faz-se
necessário proteger o colaborador ou a empresa leniente contra sanções
excessivas de outros órgãos públicos, sob pena de desestimular a própria
celebração desses acordos", escreveu o juiz.
Moro admite que não há jurisprudência sobre o tema no Brasil e recorre ao direito americano para embasar sua opinião, argumentando que nos Estados Unidos "é proibido o uso da prova colhida através da colaboração premiada contra o colaborador em processos civis e criminais."
O despacho do juiz indica que ele foi além do que a legislação americana permite. Moro proibiu o uso não só de provas fornecidas por colaboradores, mas também de informações obtidas por outros meios, mas que poderiam implicar os delatores.
Embora a decisão de Moro tenha sido assinada em abril, o Ministério Público
Federal só informou os órgãos afetados pela medida em maio. Ainda não há
uma avaliação segura sobre o impacto da ordem de Moro nas investigações
em andamento nesses órgãos. Com informações da Folha.