A desacerelação da economia foi, mais uma vez, adiada — e, talvez, a freada seja menor do que a que vinha sendo esperada.
Com mais uma supersafra cada vez maior, o mercado de trabalho aquecido, com rendimento nas máximas históricas, e o crédito ainda em expansão, mesmo com juros em alta, economistas já estão revisando para cima suas projeções de crescimento econômico para o primeiro trimestre.
Já era esperado que a agropecuária puxasse a economia, com clima favorável e boa quantidade de chuvas desde outubro do ano passado, mas a freada no consumo deverá ficar mais para este segundo trimestre e, principalmente, para a segunda metade do ano.
Uma confirmação do adiamento da desaceleração veio anteontem. O IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central) indicou que a economia brasileira cresceu 1,3% no primeiro trimestre ante o período de outubro a dezembro de 2024.
Isso surpreendeu alguns analistas, que esperavam um ritmo mais moderado — o resultado oficial do Produto Interno Bruto (PIB, valor de todos os produtos e serviços produzidos na economia) dos três primeiros meses do ano será divulgado no próximo dia 30 pelo IBGE.
Andrea Damico, economista-chefe da gestora de recursos Armor Capital, contou que sua equipe mudou suas projeções do PIB do primeiro trimestre, que passaram para um avanço de 1,4% sobre o quarto trimestre de 2024, ante 1,1%, na estimativa anterior.
As revisões para cima têm sido recorrentes, lembrou a economista. No início de 2024, já era esperada uma desaceleração, mas o crescimento foi se mostrando mais forte do que o esperado ao longo do ano. Apesar do arrefecimento no último trimestre, a economia cresceu 3,4% no ano passado. Isso parece estar acontecendo novamente no início de 2025.
Para além do agro
Segundo economistas, a surpresa no primeiro trimestre se deu porque, além do bom desempenho da agropecuária, já esperado, o setor de serviços continuou forte e a indústria não arrefeceu tanto.
Pela ótica da demanda, o consumo das famílias seguiu robusto, por causa do mercado de trabalho. Apesar da política de juros restritiva — em setembro, o BC começou a subir a taxa básica (a Selic, hoje em 14,75% ao ano) —, os recordes no rendimento médio do trabalho estimularam a atividade econômica no primeiro trimestre.
— Os rendimentos voltaram a acelerar, os salários voltaram a se recuperar e isso não estava no nosso cenário — disse Andrea.
Outro fator mencionado por economistas é o aumento das concessões de crédito, também apesar dos juros altos. Um destaque aí são os empréstimos consignados — aqueles que têm como garantia o salário ou benefício previdenciáro do tomador —, que receberam um impulso com o programa para trabalhadores do setor privado, lançado em março pelo governo federal.
— Teve esse consignado privado, que leva a uma troca de dívidas mais caras por dívidas mais baratas. Isso acaba por liberar mais a renda disponível (para consumir) — explica Luis Otávio Leal, economista-chefe da gestora e consultoria financeira G5 Partners.
Leal citou ainda o impulso do aumento do salário mínimo. Desde 2023, voltou a política de reajustes acima da inflação, marca dos governos do PT. O economista da G5 Partners aumentou suas projeções para o desempenho do PIB do primeiro trimestre para uma alta de 1,5% ante os três últimos meses de 2024, acima do 1,1% que estimava antes.
Freada menor
A desaceleração segue no radar, ainda que adiada, mas alguns acreditam que a freada pode ser menos intensa do que o inicialmente imaginado. O Ministério da Fazenda revisou a projeção de crescimento econômico em 2025 para 2,4%, ante os 2,3% de antes.
Ariane Benedito, economista-chefe da empresa de pagamentos PicPay, também elevou suas previsões para o ano, para 2,2%, ante o avanço de 1,6% que projetava anteriormente. O Boletim Focus, pesquisa semanal do BC sobre projeções de analistas de mercado, vinha apontando crescimento anual de 2% — subiu ligeiramente, para 2,02%, na edição mais recente.
— Vai desacelerar, mas menos do que se imaginava — disse a economista. — Olhando para crédito e para salários, vimos uma persistência dessas variáveis como contribuição positiva para a atividade. Embora já se comece a ver números aquém dos registrados anteriormente, podemos dizer que o mercado de trabalho deverá permanecer aquecido.
Leal manteve a projeção para o ano — alta de 2,3% —, porque baixou a expectativa para este segundo trimestre:
— O primeiro trimestre mais forte acaba fazendo, pelo efeito base, com que tenhamos o segundo trimestre mais baixo. E tem o fato de que a safra de soja é concentrada no primeiro trimestre.
Para Juliana Trece, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), a desaceleração deverá vir no restante do ano, como resultado dos juros elevados e da incerteza externa:
— Desaceleração não significa retração. A expectativa é de uma fase de estagnação nos próximos meses.
Isso deverá ocorrer, em parte, porque o primeiro trimestre mais forte poderá contribuir para que o BC mantenha os juros em patamares elevados — seja com um aumento de 0,25 ponto percentual na próxima reunião, chegando a 15%, seja com a manutenção do nível atual por mais tempo.
E há incertezas. Novos incentivos do governo podem impulsionar a economia. A ameaça da gripe aviária e a guerra comercial do presidente americano, Donald Trump, podem reforçar a freada. (Com O Globo)