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"Parei, fui". Russo partiu, e a vida segue nos levando aos poucos

Entre madrugadas, manchetes e botecos, ele deixou mais que histórias — deixou um aviso: estamos indo, um a um, sem ensaio nem hora marcada.

Conjuntura Online
14/06/25 às 22h12
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Russo (camisa azul) entre amigos em Dourados)

Willams Araújo

Morreu neste sábado (14), Waldemar Álvaro Gonçalves. Mas todo mundo só conhecia como Russo. Morreu calado, aos 64 anos, dentro de casa. Calado, ele que tanto gritou pelo rádio, pelas teclas do computador, pela rua, pelas madrugadas. Um repórter como poucos, desses que sabiam onde o sangue ainda estava fresco e onde a notícia já dormia.

Corintiano (pra min dizia que era botafogens, como eu, no Rio de Janeiro), ele mentia pra caralho, mas era um papo bom que a gente relevava e as vezes até "acreditava". 

Eu tive a grata — e inesquecível — oportunidade de trabalhar com ele na velha Gazeta Popular, do saudoso Dorival Quintana. Ali, naquela redação quente de sonho e suor, foi que comecei a sacar quem era o Russo de verdade. À primeira vista, parecia meio doido. E eu, nordestino cheio de mundo e desconfiança, pensava: “Esse cara aí só pode estar chapado.” Mas não. Era só verdade demais pra caber num corpo só. Russo era tudo o que a maioria de nós também é por dentro — só que ele não escondia. Não fingia. Não fazia pose. Sentia, sofria e dizia.

Convivi com ele em madrugadas longas de boteco, dessas em que a cerveja vai virando confissão. E era sempre assim: quando o telefone tocava, ele largava o copo no balcão, acenava com a cabeça e mandava a frase de sempre: “Parei, fui. A única coisa certa é a morte.” E ia. Ia mesmo. Pra delegacia, pra cena de crime, pro meio da rua onde a notícia fervia. Às vezes chegava antes da polícia. Às vezes era ele quem contava o que nem a polícia sabia ainda.

Há uns 15 dias, me pediu um socorro. Nada demais. Mas no fundo, eu ouvi o grito. Atrás da voz dele, um barulho alto, ensurdecedor, parecia estar dentro de um boteco — e talvez estivesse mesmo. Ele sempre morou nesse entre-lugar: metade repórter, metade alma ferida. Russo era um pedaço vivo de Dourados. Escrevia como quem apanha e como quem ama. E amava, sobretudo, o futebol da várzea, o povo da bola, o suor do campo sem grama.

Hoje, quem fica somos nós. Tentando entender o que a morte dele quer nos dizer. Porque a nossa geração está indo. E a gente continua achando que é cedo. Mas não é. É agora. É já. A conta tá chegando, e não adianta fingir. A gente adoece, cansa, sangra por dentro e segue em frente como se estivesse tudo certo. Só que não tá.

Russo era o espelho que a maioria de nós evita. Era a coragem de ser inteiro, mesmo bagunçado. Era o grito que a gente engole. A lágrima que a gente seca rápido. Ele não era melhor nem pior — era só mais honesto com o que sentia.

E no meio de tudo isso — das madrugadas, das histórias, das coberturas de crime e das mesas de bar — ele sempre voltava ao mesmo ponto: “Minha vida é a Aline e a Marcele.” Falava isso todo dia, com aquela firmeza rara em quem vive no meio do caos. No fundo, por trás do jornalista durão, do cronista maluco e do amigo cheio de manias, tinha um homem que amava sem medida. E era nelas que ele encontrava o que realmente fazia sentido.

Vai em paz, Russo. Hoje, Dourados — a cidade que eu amo, e que você também amava — está mais silenciosa.

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