O Banco do Brasil, onde o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes — atualmente sancionado pela Lei Magnitsky — possui conta, está considerando planos de contingência caso o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos imponha sanções financeiras adicionais a seus clientes ou ao próprio banco, segundo pessoas familiarizadas com as discussões internas na alta liderança.
Como parte dos preparativos, o Banco do Brasil está buscando aconselhamento de escritórios de advocacia dos EUA, e seu principal acionista, o governo brasileiro, está ouvindo especialistas em políticas públicas e consultores para entender como o governo americano está verificando as informações que recebe sobre o sistema financeiro brasileiro, de acordo com essas fontes.
Executivos do banco também discutiram a possibilidade de desviar algumas transações em dólar dos EUA — onde possui cerca de 50 mil clientes e escritórios em Nova York e Miami — para outras unidades no exterior. No entanto, nenhuma decisão foi tomada até o momento, explica uma das fontes. Mesmo assim, tais transações ainda teriam que ser reportadas ao Federal Reserve (Fed, o banco central americano).
O Banco do Brasil afirmou, em nota, ter “compromisso absoluto com o cumprimento das leis brasileiras e internacionais às quais está sujeito”. E acrescentou que “as operações ocorrem sempre dentro do marco legal, regulatório e ético, garantindo que as ações institucionais estejam estritamente em conformidade com as normas vigentes no Brasil e nos países onde atua há mais de 80 anos.”
"Posição delicada"
Se as sanções dos EUA não se concretizarem, essas medidas podem não ser necessárias. Mas o fato de que executivos do Banco do Brasil estão considerando tais ações é um sinal de como a situação evoluiu rapidamente.
Os banqueiros das principais instituições financeiras do Brasil estão cada vez mais em uma posição delicada, entre as decisões do STF — que está processando o ex-presidente Jair Bolsonaro por diversas acusações relacionadas a uma tentativa de golpe de estado — e o governo do presidente Donald Trump, que se opõe ao que classifica como perseguição judicial a Bolsonaro.
Há um mês, os EUA usaram a Lei Magnitsky para sancionar Moraes, impedindo-o de acessar bens ou ativos nos EUA ou realizar transações em dólares.
Duas semanas depois, o STF respondeu com uma decisão determinando que ordens judiciais ou executivas de governos estrangeiros devem ser aprovadas no Brasil para terem validade no país. Essa decisão veio tarde demais para Moraes, mas se aplica a eventuais sanções futuras.
É isso que preocupa os banqueiros. Eles preveem que, caso Bolsonaro seja condenado, os EUA possam expandir as sanções para outros ministros do STF e possivelmente para o Banco do Brasil, que administra a folha de pagamento do Supremo e da maioria dos servidores públicos. Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente que tem feito lobby junto a Trump em nome do pai, já fez ameaças nesse sentido.
Novo precedente
Embora o governo Trump tenha usado sem restrições a política econômica e comercial para expressar sua desaprovação ao julgamento de Bolsonaro, as sanções contra Moraes parecem estabelecer um novo precedente.
O Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac, na sigla em inglês) já sancionou juízes acusados de corrupção por grupos de direitos humanos, mas essas ações envolviam casos encerrados, afirma Jeremy Paner, sócio do escritório Hughes Hubbard & Reed, em Washington:
— Nunca sancionaram um juiz por um processo pendente e em andamento.
Se os EUA sancionarem o banco ou outros ministros, as instituições financeiras brasileiras enfrentarão a escolha impossível entre cumprir as sanções americanas ou obedecer ao STF. Nas últimas semanas, bancos começaram a discutir como reagiriam, segundo três pessoas a par dessas conversas internas.
Várias instituições financeiras, incluindo o Banco do Brasil, receberam esta semana uma carta padrão do Ofac perguntando como estão cumprindo a Lei Magnitsky, segundo outra fonte familiarizada com o assunto. O jornal Folha de S. Paulo já havia noticiado o envio dessas cartas.
Pressão sobre as ações
No Banco do Brasil, onde Moraes é cliente, executivos têm discutido o que fazer com as contas de ministros do STF caso as sanções se intensifiquem, segundo duas outras fontes. Uma das sugestões foi transferir Moraes ou outros indivíduos sancionados para bancos públicos menores, como o Basa ou o BNB, mas sanções ao próprio banco afetariam centenas de clientes com base no Brasil.
Moraes já perdeu seus cartões de crédito com bandeira americana, entre outras restrições. Suas contas e depósitos domésticos não foram afetados, e ele afirmou não possuir ativos nos EUA nem denominados em dólares.
A ameaça de sanções tem pressionado as ações do banco desde meados de agosto. As ações do Banco do Brasil, liderado pela CEO Tarciana Medeiros, chegaram a cair até 3% na terça-feira após a CNN Brasil noticiar que o governo dos EUA estava considerando novas medidas contra a instituição, mas recuperou parte das perdas ao fim do dia.
O banco também afirmou ser alvo de uma campanha de desinformação por parte de apoiadores de Bolsonaro. Há duas semanas, a instituição apresentou uma queixa à Procuradoria-Geral da República, acusando aliados do ex-presidente de espalhar notícias falsas sobre os efeitos danosos das sanções americanas. A Procuradoria pediu à polícia que investigasse.
Alternativas a sanções
As instituições financeiras querem evitar a violação das sanções dos EUA, pois as multas por descumprimento podem ser substanciais. A ambiguidade e complexidade das leis de sanções muitas vezes fazem com que os bancos adotem medidas mais amplas do que o necessário, para não correrem o risco de penalidades elevadas.
— Em casos de violação de sanções, os números crescem rapidamente — disse Paner. — Bancos fora dos EUA, em países que proíbem o reconhecimento de sanções americanas, ainda assim já pagaram bilhões de dólares em multas ao Ofac.
Transações em dólares inevitavelmente envolvem o sistema financeiro dos EUA, já que são liquidadas em Nova York ou por meio de contas financiadas na localidade americana, o que as coloca sob jurisdição do Ofac, independentemente de onde tenham origem ou destino, explicou Paner.
Ao avaliarem suas opções, os bancos brasileiros têm estudado casos anteriores de instituições internacionais punidas por descumprirem sanções americanas. No maior desses casos, o banco francês BNP Paribas admitiu, em 2014, ter violado sanções dos EUA envolvendo o Sudão, o Irã e Cuba, ao permitir transações em dólar com alvos sancionados.
O BNP concordou em pagar uma multa de US$ 9 bilhões — então o maior valor já imposto a um banco por transações ligadas a países sancionados. O banco também foi proibido de realizar liquidações em dólar nos EUA por um ano em sua divisão de financiamento de commodities de petróleo e gás. (Com O Globo)