O esquema bilionário de integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital) no setor de combustíveis, alvo de megaoperação em 8 estados nesta quinta-feira (28), era comandado por Mohamad Hussein Mourad, conhecido como "Primo" ou "João", e Roberto Augusto Leme da Silva, o "Beto Louco".
Segundo as investigações, a organização criminosa atuava em toda a cadeia produtiva de combustíveis e de açúcar e álcool, incluindo usinas, distribuidoras, transportadoras, fabricação e refino, armazenagem, redes de postos de combustíveis e conveniências.
Mohamad é apontado como o "epicentro das operações" e chefe da organização que utilizava empresas em todo o setor de combustíveis — desde usinas até postos — para realizar fraudes fiscais massivas, ocultar patrimônio e lavar bilhões de reais. A extensa rede criminosa era formada por familiares, sócios, administradores e profissionais cooptados por ele.
No LinkedIn, Mohamad se apresentava como CEO da empresa G8LOG, especializada em transporte rodoviário de cargas perigosas como combustível, e consultor do grupo Copape — responsável pela formulação de gasolina a partir de derivados de petróleo.
"Sou um empresário e investidor que acredita na potência do trabalho, da disciplina e do comprometimento como caminho para o alcance de resultados sólidos", escreveu ele em seu perfil nas redes sociais.
As investigações também apontam que a Copape e a Aster (distribuidora de combustíveis) foram adquiridas por Mohamad e usadas como instrumento na para as fraudes fiscais e lavagem de dinheiro.
O grupo liderado por ele “inflava” artificialmente os preços dos insumos nas transações entre a Copape e a Aster com o objetivo de sonegar impostos e obter créditos tributários indevidos.
Roberto também é apontado como co-líder da organização criminosa. Ele era responsável pela gestão das empresas Copape e Aster, que foram instrumentalizadas para a prática de fraudes fiscais e contábeis, falsificação de documentos e lavagem de capitais.
O esquema era dividido entre a gestão operacional das usinas e a gestão financeira e patrimonial, utilizando fundos de investimento e empresas de participações para ocultar a origem e destino dos recursos ilícitos.
A defesa de Mohamad e Roberto não foi localizada pelo g1 até a última atualização da reportagem.
Esta não é a primeira vez que Mohamad entra na mira do Ministério Público. Em junho do ano passado, ele foi denunciado por sonegação de impostos e adulteração de bombas nos postos para obter lucros milionários, conforme noticiado pelo Fantástico.
Naquela época, segundo a denúncia, ele controlava mais de 50 postos e outras empresas do setor, em nome de laranjas. E nesses postos ele praticava diferentes tipos de fraude – em 2018, ele já respondia na Justiça por falsidade ideológica e fraude em bombas de combustível.
Operação
Uma força-tarefa nacional com cerca de 1.400 agentes cumpre, na manhã desta quinta-feira (28), mandados de busca, apreensão e prisão em oito estados para desarticular um esquema criminoso bilionário no setor de combustíveis, comandado por integrantes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
A megaoperação Carbono Oculto é a junção de três operações e acontece em São Paulo, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina. O grupo sonegou mais de R$ 7,6 bilhões em impostos federais, estaduais e municipais, segundo autoridades da Fazenda de SP.
As irregularidades foram identificadas em diversas etapas do processo de produção e distribuição de combustíveis no país. O esquema tem lesado não apenas os consumidores que abastecem seus veículos no Brasil, mas toda uma cadeia econômica ligada aos combustíveis.
O PCC agia na importação irregular de produtos químicos para adulterar os combustíveis. Os investigadores identificaram mais de 300 postos de combustíveis que atuam nessas fraudes. Já o setor estima um impacto maior, em cerca de 30% dos postos em todo o estado de São Paulo, em torno de 2.500 estabelecimentos.
A Receita Federal também identificou ao menos 40 fundos de investimentos, com patrimônio de R$ 30 bilhões, controlados pelo PCC. Segundo o órgão, as operações aconteciam justamente no mercado financeiro de São Paulo, por membros infiltrados na Avenida Faria Lima.
Esses fundos de investimentos foram utilizados como estruturas de ocultação de patrimônio, afirmam os auditores federais.
Mais de 350 alvos – entre pessoas físicas e jurídicas – são suspeitos de crimes contra a ordem econômica, adulteração de combustíveis, crimes ambientais, lavagem de dinheiro, fraude fiscal e estelionato.
As principais empresas alvo da operação são:
Grupo Aster/Copape, donos de usinas, formuladoras, distribuidoras e rede de postos de combustíveis usada pela organização criminosa;
BK Bank, fintech financeira utilizada para movimentar dinheiro por meio de contas bolsão não rastreáveis;
Reag, fundo de investimento usado na compra de empresas, usinas e para blindagem do patrimônio dos envolvidos.
Funcionamento do esquema
De acordo com as investigações, um dos principais eixos da fraude investigada passa pela importação irregular de metanol. O produto, que chega ao país pelo Porto de Paranaguá (PR), não é entregue aos destinatários indicados nas notas fiscais.
Em vez disso, é desviado e transportado clandestinamente, com documentação fraudulenta e em desacordo com normas de segurança, colocando em risco motoristas, pedestres e o meio ambiente.
O metanol, altamente inflamável e tóxico, é direcionado a postos e distribuidoras, nos quais é utilizado para adulterar combustíveis, gerando lucros bilionários à organização criminosa.
Segundo eles, consumidores estariam pagando por volumes inferiores ao informado pelas bombas (fraude quantitativa) ou por combustíveis adulterados fora das especificações técnicas exigidas pela ANP (fraude qualitativa).
Proprietários de postos de gasolina que venderam seus estabelecimentos comerciais para a rede criminosa também não receberam os valores da transação e foram ameaçados de morte, caso fizessem qualquer tipo de cobrança.
“O produto e proveito das infrações econômicas e penais foram realocados em uma complexa rede de interpostas pessoas que ocultam os verdadeiros beneficiários em camadas societárias e financeiras, especialmente em shell companies, fundos de investimento e instituições de pagamento", explicam os membros do MP-SP.
"Parcela substancial desses recursos sem lastro financiou a aquisição de usinas sucroalcooleiras e potencializou a atuação do grupo que absorveu em sua estrutura criminosa distribuidoras, transportadoras e postos de combustíveis”, completaram.
Fintechs criminosas bilionárias
As transações financeiras do grupo criminoso passavam por fintechs controladas pelo crime organizado, cujo portfólio de clientes é formado majoritariamente por empresas do setor de combustíveis, segundo a Receita Federal.
Pelo menos 40 dessas empresas financeiras foram identificadas como financiadoras do esquema. Essas fintechs têm o patrimônio de R$ 30 bilhões e ajudaram a comprar postos e caminhões de combustíveis, usinas de álcool, fazendas no interior de São Paulo e casas de luxo.
Investigadores afirmam que o uso de instituições de pagamento, em vez de bancos tradicionais, tinha o objetivo de dificultar o rastreamento do dinheiro.
As fintechs operavam com contabilidade paralela, permitindo transferências entre empresas e pessoas físicas sem que os beneficiários finais fossem identificados.
O CIRA/SP (Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos do Estado de São Paulo), da Secretaria da Fazenda de São Paulo, vai pedir o bloqueio de bens para recuperar o tributo sonegado, cujo montante atualizado é estimado em R$ 7.672.938.883,21.
A ação desta quinta-feira é coordenada pelo MP-SP (Ministério Público de São Paulo), por meio do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado). Também participam o MPF (Ministério Público Federal) e as polícias Federal, Civil e Militar de São Paulo.
Fazem parte ainda a Receita Federal, a Secretaria da Fazenda de SP, a ANP (Agência Nacional do Petróleo) e a PGE-SP (Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo). Ministérios Públicos de outros estados apoiam o cumprimento dos mandados. (Com g1-SP e TV Globo)