Ao fixar barreiras para ações judiciais contra parlamentares, a PEC da Blindagem abre margem para ter sua constitucionalidade questionada no STF (Supremo Tribunal Federal), avaliam juristas ouvidos pelo GLOBO.
Para os especialistas em Direito Constitucional, o texto viola cláusulas pétreas da Carta Magna, como o princípio da separação entre os Poderes.
Outro ponto alvo de críticas é a votação secreta para o Congresso decidir sobre a abertura dos processos. Outra consequência da mudança legislativa, afirmam, é que a PEC favorece a entrada de organizações criminosas em cargos legislativos.
O texto remonta a uma prerrogativa derrubada em 2001 que descrevia que Câmara e Senado precisariam autorizar processos contra seus membros. Especialista em direito criminal, o advogado Renato Vieira afirma que a retomada do modelo representaria um equívoco ao invadir uma atribuição do Judiciário, que tem responsabilidade de fazer o julgamento técnico da materialidade das denúncias feitas pelo Ministério Público.
— Estamos revivendo um dique de contenção sobre algo que pertence à atividade do Poder Judiciário, e isso representa um risco seríssimo — analisa Vieira. — Quando há uma denúncia oferecida, ela parte de um órgão autônomo e é endereçada a outro órgão igualmente autônomo. O poder Legislativo não pode ser juiz de si mesmo.
Cláusulas pétreas
A mudança pode ter sua constitucionalidade analisada pelo STF, reforça o professor de Direito Constitucional Gustavo Sampaio, da UFF (Universidade Federal Fluminense):
— A partir do momento que o Congresso determina um impedimento para a realização de buscas e apreensões nos gabinetes parlamentares e até mesmo para a abertura do processos criminais, lá na frente, caso seja acionado, o Supremo poderia se manifestar sob o entendimento de que ela violaria a separação dos Três Poderes, uma das cláusulas pétreas.
O mesmo ponto foi destacado pelo professor de Direito Constitucional Daniel Sarmento, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que argumenta que outros princípios constitucionais também seriam infringidos com a medida.
— Além de ir contra o núcleo de pesos e contrapesos entre os Poderes, esse texto visa estabelecer privilégios que são incompatíveis com a igualdade, que também é uma cláusula pétrea da Constituição. É uma medida profundamente antirrepublicana — diz.
Aprovado após um revés na Câmara, o voto secreto para as votações que antecederiam a abertura dos processos criminais é visto pelos juristas como ponto de distorção. O entendimento é que a mudança resultaria em uma perda de transparência para o eleitor, diz o advogado Antônio Carlos de Freitas Jr, doutor em Direito Constitucional e especialista em Direito Eleitoral.
— A regra tem que ser a transparência, para que o eleitor saiba como o seu candidato, ao se tornar parlamentar, está votando — afirma.
A alteração também tende a funcionar como um estímulo para organizações criminosas buscarem cargos no Legislativo, na avaliação do jurista:
— Pode haver um processo terrível de politização da criminalidade, trazendo organizações criminosas que buscam mandatos, antes para terceiros, para seus próprios integrantes. É como se fosse um “007”, uma licença para delinquir e adotar comportamentos criminosos. (Com O Globo - RJ)