É comum ver atletas compararem treinadores, aqueles de perfil mais acolhedor, a um pai. Não é diferente com Carlo Ancelotti. A depender do jogador, o italiano de 65 anos é chamado também de amigo. Ou até de irmão. Se a classificação varia, o que não muda é como em muitos casos a hierarquia parece nem ser percebida.
Mas não desrespeitada. Com histórico de montar times vencedores ao longo de 30 anos sem desafetos, o técnico que assinou com a CBF para assumir a seleção tem como uma das principais características a capacidade de se conectar com os elencos e adaptar seus times a eles.
Quem ilustra bem esse talento de Ancelotti é Richarlison. O atacante foi treinado por ele no Everton-ING entre as temporadas 2019/20 e 2020/21. Foi quando viveu seu auge na Europa e na carreira. E não hesitou em aprovar sua ida para a seleção quando ela ainda nem era uma realidade.
— Ele me ajudou muito no Everton, eu me sentia um fenômeno na mão dele, fazia gol sem parar. Me ajudou muito, virei parceiro e ia para casa no carro dele ao fim de todo o jogo. Eu me sentia até filho dele — contou em 2023, quando estava na seleção.
A lista de admiradores do italiano inclui os astros, normalmente dotados de grande vaidade. Como Ronaldo Fenômeno, Cristiano Ronaldo e Lewandowski.
—No Real Madrid dá para ver: os jogadores o seguem cegamente. Carlo é um cara ótimo, que sempre conversou muito com os jogadores. Ele me deu uma sensação especial. Não apenas autoconfiança, mas de que posso dar um ou dois passos a mais na carreira — elogiou Lewa, treinado por Ancelotti no Bayern de Munique-ALE, em entrevista no ano passado ao jornal alemão Bild.
Tite já recorreu a esse talento em extrair o melhor dos jogadores. Antes da Copa do Mundo de 2022, o técnico brasileiro telefonou para Ancelotti para pedir conselhos sobre como utilizar Vini Jr. Até hoje, fazer o atacante render com a Amarelinha o mesmo que pelo Real Madrid tem sido um desafio.
Trabalhar com brasileiros, por sinal, é uma especialidade do italiano. Ao todo, já treinou 43, além dos que se naturalizaram para defender outras seleções. E os dois últimos jogadores do pais a vencer uma premiação de melhor do mundo conquistaram tal feito quando estavam numa equipe de Ancelotti: Kaká, que em 2007 venceu a Bola de Ouro e o prêmio da Fifa pelo Milan; além de Vini Jr, ganhador do The Best 2004.
Horizontalizar a relação e levar em consideração o que os jogadores pensam de nada adiantaria se o técnico também não se destacasse pela leitura tática. Seu maior mérito é manter-se atualizado e competitivo — quando não vencedor — ao longo de três décadas.
Ancelotti idealizou a famosa “árvore de Natal” no Milan dos anos 2000, sendo muito bem-sucedido ao recuar Pirlo e fazer dele um volante que já pensava o jogo de traz. Mais de duas décadas depois, no Real Madrid das últimas temporadas, trocou os meias clássicos e o jogo interior pela amplitude e o futebol mais rápido e vertical. No meio do caminho, também foi campeão com o losango de meio-campo no Chelsea ou com uma defesa sólida no Bayern. Um camaleão, como é chamado.
Filho de camponeses que trabalhavam para uma pequena fazenda na comuna de Reggiolo, região de Emília-Romanha (a mesma do Parma, onde estrearia como jogador), Ancelotti teve uma infância pobre. Carne era privilégio: só uma vez por mês. Foram as necessidades e as lições do pai e da mãe que forjaram este perfil marcado pela humildade e adaptabilidade. (Com O Globo)